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Covid-19 e desigualdades: estudo IHMT-NOVA mostra como imigrantes são mais vulneráveis aos efeitos da pandemia

As consequências diretas e indiretas da pandemia de Covid-19 afetam toda a população de igual modo? Um estudo do Instituto de Higiene e Medicina Tropical da Universidade Nova de Lisboa (IHMT-NOVA) veio dar algumas respostas a esta questão, demonstrando a relação entre Covid-19 e desigualdades sociais.

13 Mai, 2021
6 min de leitura

Maria do Rosário Oliveira Martins, professora catedrática do IHMT-NOVA, foi distinguida com uma medalha de ouro no âmbito do Prémio Direitos Humanos pelo trabalho de coordenação do primeiro estudo comparativo sobre as consequências da Covid-19 nas famílias imigrantes e nas famílias nativas da Amadora. O estudo mostra como as famílias imigrantes estão mais vulneráveis, confirmando a relação entre os efeitos da pandemia de Covid-19 e desigualdades sociais.

Começou por ser um problema grave de saúde pública mundial, mas rapidamente deu origem a uma das maiores crises económicas e sociais das últimas décadas. Embora a pandemia tenha afetado todos, a verdade é que nem todos foram atingidos na mesma proporção pelos efeitos diretos e indiretos da Covid-19. Isso mesmo ficou visível no primeiro estudo comparativo realizado em Portugal sobre as consequências da Covid-19 em famílias imigrantes e nativas no concelho da Amadora, desenvolvido por um conjunto de investigadores do IHMT-NOVA, em parceria com o Agrupamento dos Centros de Saúde (ACES) da Amadora e com a organização não-governamental AJPAS – e liderado pela professora Maria do Rosário Oliveira Martins.

 

Os resultados do estudo confirmaram a relação entre a pandemia de Covid-19 e desigualdades sociais, económicas e de acesso aos cuidados de saúde já existentes, ao mostrar que as populações já de si mais vulneráveis, onde se incluem os imigrantes, são particularmente afetadas. O estudo é também um sinal de alerta para a necessidade de prepararmos os sistemas de saúde para acomodar as necessidades das populações mais vulneráveis, que estão a surgir na sequência das transformações sociais e económicas provocadas pela pandemia.

 

O trabalho, pioneiro em Portugal, valeu recentemente a Maria do Rosário Oliveira Martins a atribuição de medalha de ouro comemorativa do 50º aniversário da Declaração Universal dos Direitos do Homem, no âmbito do Prémio Direitos Humanos.

O Prémio Direitos Humanos é atribuído todos os anos pelo Presidente da Assembleia da República, mediante a proposta de um júri. Na edição de 2020, o Prémio Direitos Humanos foi atribuído a todos os profissionais de saúde. Foram também atribuídas três medalhas de ouro: além de Maria do Rosário Martins, a distinção foi dada à cientista e investigadora Elvira Fortunato e ao fundador da Pró-Inclusão – Associação Nacional de Docentes de Educação Especial, David Rodrigues.

O que mostra o estudo do IHMT-NOVA sobre Covid-19 e desigualdades sociais?

Os resultados obtidos demonstram claramente que as famílias imigrantes estão mais expostas aos problemas socioeconómicos causados pela resposta à pandemia, face à realidade vivida pelas famílias nativas.

Intitulado “Resposta à pandemia Covid-19 num contexto de desigualdades sociais em saúde: um estudo transversal na população nativa e imigrante na Amadora”, o estudo do IHMT-NOVA foi elaborado no ano passado com base num inquérito a 420 famílias da Amadora. Deste número, 217 eram famílias imigrantes, provenientes de países como Cabo-Verde, Angola, Brasil e Guiné-Bissau, entre outros.

 

O inquérito permitiu analisar três dimensões distintas, decorrentes do contexto de pandemia:

  • Alterações na privação material, rendimento e emprego;
  • Dificuldades no confinamento social;
  • Dificuldades acrescidas no acesso aos cuidados de saúde.

 

As famílias imigrantes foram mais atingidas pelo desemprego e as que sentiram uma maior perda do rendimento mensal na sequência da pandemia – com 72% a reportar uma queda do rendimento mensal do agregado familiar, contra os 49% registados pelas famílias nativas.

 

Comparando com as famílias nativas, os agregados imigrantes foram os que mais tiveram de adiar o pagamento de despesas correntes (rendas, água e luz) e os que tiveram mais dificuldades na compra de alimentos e de produtos de higiene básicos. Este olhar sobre a Covid-19 e desigualdades sociais aponta ainda assimetrias no acesso à educação: durante o confinamento, foram sobretudo as famílias imigrantes (20%) a afirmar não terem um local em casa para que os seus filhos possam ter aulas online.

 

Quanto ao acesso a cuidados de saúde, nota para o facto de 35% de todas as famílias inquiridas terem registado dificuldades acrescidas no acesso aos cuidados de saúde, não existindo aqui diferenças entre as famílias nativas e imigrantes. No entanto, há um dado que salta à vista: 19% das famílias nativas admitem que deixaram de vacinar as suas crianças devido à pandemia (a percentagem baixa para os 5% nos agregados de imigrantes).

 

Analisando os resultados globais, os indicadores sugerem que os imigrantes correm um maior risco porque a sua situação já era vulnerável antes da pandemia: estavam mais expostos à precariedade no trabalho, tinham rendimentos mais baixos, viviam em casas mais lotadas do que as famílias de nacionalidade portuguesa e enfrentavam maiores barreiras no acesso aos cuidados de saúde. Uma situação que a pandemia veio agravar.

Reduzir assimetrias nos serviços de saúde

Ao incidir o foco nos impactos da pandemia sobre os agregados mais vulneráveis, este estudo do IHMT acaba por ser um alerta para que ninguém fique para trás no acesso aos cuidados de saúde.

 

Esta questão é especialmente relevante tendo em conta que os fatores socioeconómicos são determinantes e críticos na saúde. Isto significa que os sistemas de saúde deverão preparar-se não só para continuar a receber os casos de pessoas com Covid-19, mas também para enfrentar as necessidades adicionais que vão surgir na sequência das transformações socioeconómicas causadas pela pandemia e que vão afetar as populações em contexto já de si mais vulnerável, como é o caso das famílias imigrantes.

 

O estudo “Resposta à pandemia Covid-19 num contexto de desigualdades sociais em saúde: um estudo transversal na população nativa e imigrante na Amadora” mostra ainda a importância das intervenções precoces e da definição de soluções adequadas ao contexto local na mitigação dos efeitos negativos da pandemia.

Maria do Rosário Oliveira Martins, coordenadora deste primeiro estudo comparativo em Portugal sobre as consequências da Covid-19 em famílias imigrantes e famílias nativas no concelho da Amadora, é professora catedrática do IHMT-NOVA. Autora de cinco livros e com mais de 120 artigos publicados, é também coordenadora científica do grupo de investigação do GHTM-PPS, coordenadora do Doutoramento em Saúde Internacional, membro da direção do Programa de Doutoramento em Saúde Pública Global, Presidente do Conselho Pedagógico, membro do Comité Internacional de AIDS Society Award for Experts em gestão de programas HIV, membro do Comité de Ética da Universidade NOVA e foi presidente da Rede Internacional de Ensino em Saúde Internacional – TropEd.