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Entrevista: “Os testes rápidos à Covid-19 são ferramentas importantes de rastreio”

Ter acesso e utilizar testes rápidos à Covid-19 é cada vez mais simples. Ricardo Parreira, professor auxiliar em Virologia no Instituto de Higiene e Medicina Tropical da Universidade Nova de Lisboa (IHMT-NOVA), esclarece as dúvidas sobre estes testes e a sua utilidade no rastreio da doença.

16 Jun, 2021
8 min de leitura

Distribuídos em farmácias e parafarmácias como autotestes, os testes rápidos à Covid-19 estão cada vez mais generalizados. No entanto, a sua menor sensibilidade quando comparados com os testes PCR, origina a questão: serão uma ferramenta verdadeiramente útil no combate à Covid-19? Em entrevista ao Imune.pt, o virologista e vice-presidente do Conselho Científico do IHMT-NOVA, Ricardo Parreira, não tem dúvidas: os testes rápidos de antigénio “possuem uma série de outras vantagens que lhes conferem grande utilidade”. Ainda assim, reforça o especialista, é preciso analisar os resultados em contexto, para evitar falsas sensações de segurança.

A menor sensibilidade dos testes rápidos à Covid-19, em relação aos testes PCR (Polymerase Chain Reaction), coloca em causa a sua utilidade no diagnóstico da doença?

Os testes rápidos têm, de facto, algumas limitações, assim como uma menor sensibilidade e menor especificidade do que os testes genericamente designados de TAAN (testes moleculares de amplificação de ácidos nucleicos), nos quais se incluem os PCR. Ainda assim, possuem uma série de outras vantagens que lhes conferem grande utilidade: além da rapidez e da acessibilidade, destaca-se, por exemplo, o facto de não terem de ser executados num laboratório, não necessitando nem de infraestruturas ou equipamentos diferenciados, nem de técnicos especializados para a testagem. Mais do que meios de diagnóstico, os testes rápidos à Covid-19 são ferramentas importantes de rastreio, uma vez que qualquer resultado positivo, conjugado com sintomatologia clínica compatível com Covid-19, será considerado como um caso de infeção, em linha com as normas da Direção-Geral de Saúde (DGS).

Esta possibilidade de os testes rápidos serem realizados fora de laboratórios – até como kits de autoteste – contribui para um risco de menor fiabilidade?

A sua disponibilidade generalizada deve ser encarada como uma mais-valia, mas é preciso deixar claro que os testes rápidos (como, aliás, qualquer teste) têm de ser executados de acordo com todas as regras. Teoricamente, um teste destes pode ser executado por qualquer um de nós, mas precisamos respeitar todas as indicações, os tempos de leitura dos resultados e, claro, a colheita adequada da amostra. Nos autotestes, poderá existir a tentação de parar a colheita de secreções respiratórias à mínima sensação de desconforto – e isso pode, de facto, condicionar a colheita e a qualidade da amostra. Uma vez que estes testes têm uma sensibilidade menor [do que os PCR], amostras colhidas em condições menos adequadas podem contribuir para um aumento do número de resultados falsos negativos.

E no caso dos resultados positivos?

Como referi, o que nos diz a DGS é que qualquer resultado positivo em ambiente de rastreio por testes rápidos deve ser considerado um caso de infeção, quando acompanhado de sintomas associados à Covid-19. Isto permite uma deteção muito mais precoce de casos que, numa situação normal, poderiam não ser detetados ou detetados de forma tardia (por serem assintomáticos ou não estarem identificados contactos prévios de alto risco, por exemplo). Estes rastreios são muito úteis para evitar que estes casos passem despercebidos. Com o regresso progressivo ao trabalho presencial, por exemplo, a execução destes testes rápidos permite isolar casos positivos para tentar quebrar, o mais rapidamente possível, as cadeias de transmissão que ainda por aqui andam – e que são muitas. De referir que, em caso de resultado positivo sem sintomas, deverá ser feito um TAAN [teste PCR] para confirmação do resultado.

Além destes rastreios em contexto laboral, em que situações é que os testes rápidos à Covid-19 podem ser particularmente úteis?

Estes testes são particularmente eficientes na deteção de infeções agudas, com uma elevada carga viral nas vias respiratórias, que são considerados casos de potencial elevada infecciosidade. São muito úteis para a população em geral, porque permitem identificar os tais casos que poderiam passar despercebidos. Atualmente, o que se faz é testar pessoas sintomáticas com os TAAN. Já estes testes rápidos permitem testar um número alargado de assintomáticos que, sem esta testagem e identificação, poderiam continuar a arriscar a transmissão a outras pessoas. Também podem ser usados como ferramenta rápida de diagnóstico em situações onde as pessoas estão confinadas – como uma prisão ou um lar. Ou seja, sítios onde a probabilidade de uma infeção se expressar rapidamente é muito grande.

Dada a menor sensibilidade dos testes rápidos – e a possibilidade de colheitas recolhidas de forma menos adequada –, a sua disseminação pode contribuir para uma falsa sensação de segurança?

Para que os testes rápidos à Covid-19 não incentivem, por um lado, falsas sensações de segurança nem coloquem, por outro lado, as pessoas em pânico, os resultados devem ser considerados dentro de um contexto. É preciso perceber que, no limite, os resultados de um teste negativo dizem que, no dia em que o teste foi feito, a pessoa não deverá estar infetada. E refiro que “não deverá estar” exatamente porque, devido à sensibilidade inferior, poderá acontecer um falso negativo. Pode ser, por exemplo, o caso de uma infeção que se está a iniciar e que, se o teste voltasse a ser executado daí a uns dias, daria positivo. Nesse sentido, os resultados falsos negativos podem ser um potencial problema, mas é preciso que as pessoas tenham uma real consciência dos comportamentos e das regras de segurança que seguem no dia a dia. Uma pessoa que cumpra distâncias de segurança, respeite a etiqueta respiratória, use máscara sempre que está com outras pessoas, não tenha tido um contacto de risco recente, recolha uma amostra para teste de forma conveniente e execute o teste de acordo com todas as indicações não terá razão nenhuma para duvidar de um resultado negativo, se não tiver sintomas. Noutras situações de maior exposição, o ideal seria confirmar o resultado negativo, porque pode ter existido exposição, a infeção estar a iniciar-se e o teste está simplesmente a dizer que não é suficientemente sensível para a detetar.

O que nos diz a experiência de outros países onde a generalização destes testes rápidos à Covid-19 foi feita mais cedo do que em Portugal?

Da literatura que já existe sobre o tema, não se verifica uma falsa sensação de segurança nesses países, aparentemente. Ou seja, o facto de, nestes países, os autotestes já estarem há mais tempo disponíveis não parece conduzir a um aliviar das responsabilidades de participarmos todos no controlo da epidemia. É preciso ter em conta, no entanto, que o que acontece em países como França, Holanda ou Alemanha pode não se verificar em Portugal, por razões culturais. E há sempre o risco de alteração do comportamento face ao resultado de um teste. Por isso, é preciso passar a mensagem, da forma mais correta e clara possível, de que os testes rápidos são mais uma ferramenta de rastreio, mais uma ferramenta para nos ajudar a controlar a epidemia, mas temos de continuar a assumir que o vírus continua a existir e que devemos continuar a respeitar a regras e a ter os comportamentos mais corretos para prevenir contágios.

Considera que este tipo de testes também pode ser usado como ferramenta de apoio à retoma de setores muito afetados pela pandemia, como é o caso do setor cultural? Permitiria o regresso a uma certa “normalidade” em concertos e espetáculos?

Se considerarmos que é feito um rastreio à cabeça com recurso aos testes rápidos, que é feita também uma medição de temperatura (apesar de nem todos os casos terem febre como sintoma) e que não exista sintomatologia compatível com Covid-19 (recordando que a temperatura é apenas um dos diversos sintomas da doença), então o resultado negativo pode ser considerado como um “não está infetado”. Caso não existam sintomas, mas tiver havido um contacto recente de alto risco nas últimas 48 horas com alguém infetado, um teste negativo deve ser interpretado como um “não há evidência de infeção no presente momento”, podendo dar-se o caso de o teste ter sido realizado ‘demasiado cedo’ para detetar a infeção existente.

 

Mas eu diria que realizar um concerto, por exemplo, num espaço fechado, com testes rápidos à entrada, mas em que não se use máscaras ou não se mantenha uma certa distância, pode acabar por gerar cadeias de transmissão se existirem pessoas infetadas para as quais os testes tenham falhado na deteção. É sempre preciso ter algum cuidado. Agora, se a generalização destes testes permitir, de facto, a retoma de alguma atividade, respeitando o distanciamento e o uso de máscaras, detetando casos positivos e permitindo a outros assistir ao espetáculo, então sim, pode ser uma boa medida a implementar.

Fotografia por Ana Catarina Alves/IHMT