Faça aqui a sua pesquisa...

Vacina contra a malária: OMS faz recomendação, mas investigação continua

Com a recomendação histórica da OMS de administrar a vacina contra a malária RTS,S às crianças em risco e novas abordagens em laboratório (incluindo a técnica de ARN mensageiro), a luta contra a doença dá passos significativos.

1 Out, 2021
9 min de leitura

Centenas de milhares de pessoas morrem, todos os anos, devido à malária. Numa medida histórica, a 6 de outubro de 2021, a Organização Mundial de Saúde (OMS) passou a recomendar que a vacina mais avançada contra a malária – RTS,S – seja administrada às crianças da região subsaariana e de outras regiões sob risco moderado e elevado de malária grave. A RTS,S estava a ser administrada, desde 2019, no Gana, Quénia e Malawi, no âmbito de um programa piloto.

Ainda assim, a eficácia reduzida da RTS,S faz com que ainda esteja longe do fim a procura por uma vacina contra a malária que permita controlar definitivamente a doença. O desenvolvimento de uma vacina eficaz contra a malária é um dos grandes desafios dos investigadores, há décadas. Mais de 100 vacinas passaram pelas fases de ensaios clínicos, mas, até ao momento, apenas a RTS,S (ou Mosquirix) obteve luz verde para ser usada em condições reais.

 

Até à data, a RTS,S foi a única vacina que comprovou conseguir prevenir a doença, incluindo a malária grave. Ainda assim, os resultados demonstrados na fase III dos ensaios clínicos apontam para uma eficácia limitada. A quatro anos, os resultados indicam 39% de eficácia na prevenção de casos de malária e 29% de eficácia na prevenção de casos de malária grave.

 

O objetivo estratégico traçado pela OMS no combate à doença era bem claro: uma vacina contra a malária que alcançasse, pelo menos, uma eficácia de 75%. Não obstante – e uma vez que a RTS,S é, até agora, a única vacina que demonstrou resultados significativos, esta é a vacina que passa a ser recomendada pela OMS para administração em crianças a partir dos cinco meses.

 

Entretanto, outros laboratórios e equipas de investigação têm continuado a sua investigação com outras abordagens e técnicas que permitam obter vacinas mais eficazes do que a RTS,S. Só com eficácias mais elevadas será possível um controlo mais efetivo da doença e ter a esperança de, no futuro, erradicar a malária do mundo.

Grave e em certos casos mortais, a malária não é uma doença que passe despercebida. Todos os anos, a infeção mata cerca de 400 mil pessoas, maioritariamente crianças com menos de 5 anos, sobretudo no continente africano. Em 2019, a OMS estima que tenham existido 229 milhões de casos de malária em todo o mundo.
Os protozoários, nos quais se inclui o parasita que causa a malária, são organismos constituídos por uma única célula. Esta célula (eucariótica) tem compartimentos intracelulares bem definidos, rodeados por membrana.

Impõe-se a questão: o que tem atrasado os progressos no desenvolvimento de uma vacina contra a malária de elevada eficácia? Tudo começa pela própria causa da doença, a infeção pelo parasita Plasmodium falciparum que é transmitido às pessoas através da picada de mosquito. O P. falciparum pode causar malária grave em humanos.

 

Este tipo de parasita, classificado como protozoário, é mais difícil de combater do que os vírus ou bactérias (foco da maioria das vacinas existentes). Isto porque, durante a sua coevolução com os hospedeiros, os protozoários têm desenvolvido estratégias de sobrevivência, interferindo com a resposta imunológica do hospedeiro humano. A RTS,S é a primeira vacina autorizada em humanos contra uma doença infeciosa parasitária.

 

Por outro lado, existem também desafios ao nível do financiamento. Enquanto a Covid-19, por exemplo, afeta todo o mundo, a malária incide sobretudo em países de baixo rendimento. Com menores perspetivas de retorno financeiro, as barreiras de mercado limitam o investimento privado para a vacina contra a malária.

Novos progressos na vacina contra a malária

Apesar dos desafios, há progressos recentes a ter em conta numa abordagem mais eficaz para a prevenção da malária. Uma vacina desenvolvida por investigadores da Universidade de Oxford demonstrou 77% de eficácia nos resultados da fase II de ensaios clínicos (publicados na revista científica The Lancet, em maio de 2021). Nomeada como R21, esta vacina excedeu a fasquia de eficácia desejada pela OMS e começou, entretanto, a fase III dos ensaios clínicos.

 

Na prática, esta vacina parte do mesmo princípio da RTS,S, mas torna-o mais eficaz e até mais barato de produzir. Ambas as vacinas usam o mesmo antigénio (substância estranha ao organismo) para induzir uma resposta imunitária do organismo humano: uma parte da proteína circunsporozoítica (CSP) de P. falciparum, que está na superfície do parasita durante a fase de entrada no corpo humano. A partir deste antigénio (que, por si só, é inócuo e não provoca a doença), o objetivo é que a vacina gere uma forte resposta imunitária contra o agente invasor – e que o organismo aprenda a, no futuro, reconhecer e neutralizar uma infeção real.

 

O que difere, então, entre a RTS,S e a R21? Trata-se sobretudo da concentração do antigénio na vacina. A R21 prevê uma maior concentração proteica do que a que existe na RTS,S, uma abordagem que permite gerar uma resposta imunitária mais eficaz.

 

Há também uma diferença em termos do adjuvante (ou potenciador da resposta imunitária) usado em cada uma das vacinas: o da R21 é mais barato de produzir, o que faz também aumentar a esperança no desenvolvimento de uma vacina contra a malária que seja mais acessível.

 

Mais respostas apenas podem ser dadas depois dos resultados da fase III de ensaios clínicos, a verdadeira “prova de fogo” à R21. Avançar uma etapa nos ensaios clínicos significa também aumentar a escala – o que, em muitos casos, tem como consequência a descida dos níveis de eficácia. No entanto, a demonstrar resultados em linha com os de fases anteriores, a R21 pode vir a ser um passo relevante na luta contra a doença.

Outras técnicas e abordagens

Progredir na investigação contra algumas doenças implica, muitas vezes, olhar para o que está a ser feito noutras áreas. É o caso das vacinas com a técnica de ARN mensageiro (ARNm ou, na sigla em inglês, mRNA), relativamente nova e que foi pela primeira vez aprovada para uso humano com as vacinas da Pfizer-BioNTech e da Moderna contra a Covid-19. Esta tecnologia está também a ser olhada com interesse para uma vacina contra a malária.

 

A técnica ARNm utiliza material genético (ácido ribonucleico mensageiro) para transmitir instruções aos ribossomas (fábrica de proteínas das células) sobre como criar o antigénio que vai gerar a resposta imunitária. Tudo isto sem riscos de desencadear a doença, nem riscos de alterar o nosso próprio material genético.

 

Esta técnica já está a ser testada também em vacinas contra a malária, com resultados positivos em ensaios com animais, publicados este ano.

 

Por outro lado, a empresa alemã BioNTech (que desenvolveu a vacina contra a Covid-19 em colaboração com a Pfizer) quer replicar a técnica de ARNm numa vacina contra a malária, apoiada pela iniciativa eradicateMalaria. O anúncio foi feito em julho deste ano e o objetivo é começar os ensaios clínicos desta nova vacina já em 2022, que também irá recorrer à CSP para desencadear a resposta imunitária.

 

As abordagens para uma vacina contra a malária não se esgotam, no entanto, por aqui. Um pequeno ensaio clínico testou uma vacina com recurso a parasitas vivos e os resultados, publicados na Nature em junho deste ano, dão indicações positivas (87,5% dos voluntários vacinados ficaram protegidos contra uma infeção da mesma variante usada na inoculação e 77,8% contra uma infeção de uma variante diferente).

 

O progresso contra a doença também se faz em Portugal: uma equipa do IMM – Instituto de Medicina Molecular, em parceria com equipas de outras entidades, está a trabalhar numa potencial vacina contra a malária, a PbVac, a partir de um parasita da malária de roedores (que não é agente patogénico para os humanos).

A malária é uma doença grave, mas estão disponíveis medicamentos antimaláricos que permitem tratar a doença. É muito importante, no entanto, que o diagnóstico seja feito o mais cedo possível.

 

Existem ainda abordagens que, perante a eficácia limitada da RTS,S, testam combinações da vacina com medicamentos antimaláricos existentes. Um estudo publicado no New England Journal of Medicine dá conta dos resultados dessa combinação: redução de mortes em 73% e das infeções, no geral, em 62%.

 

Perante os vários caminhos possíveis que se formam na luta contra a malária, uma solução eficaz parece mais próxima – que permita, sobretudo, atenuar o impacto devastador da doença na saúde e desenvolvimento dos países africanos mais afetados. Os próximos ensaios clínicos e evidências científicas serão fundamentais para cimentar este progresso.

 

 

*Artigo publicado inicialmente a 1 de outubro e atualizado a 19 de outubro para incluir a recomendação da OMS